sexta-feira, 29 de julho de 2011

Nietzsche - Das Altas Montanhas, Cântico Final

Ó meio-dia da vida! Tempo solene!
Ó jardim de Verão!
Felicidade inquieta no estar perscrutando e esperando:
Espero os amigos, noite e dia pronto,
Onde estais vós, amigos? Vinde! É tempo! É tempo!

Não era para vós que o cinzento do glaciar
Hoje se enfeitou de rosas?
O ribeiro procura-vos; saudosos apressam-se, empurram-se
Vento e nuvens, hoje mais alto para o azul
Para daí bem do alto vos descobrirem.

No mais alto a minha mesa foi posta para vós:
Quem habita das estrelas
Tão próximo, quem, das medonhas distâncias abissais?
O meu reino – que reino se estendeu por mais longe?
E o meu mel – quem é que o provou? …

Cá estais vós, amigos! – Ai, todavia, não sou eu
Quem queríeis vós?
Hesitais, pasmais – ai, que vos não zangais antes!
Eu – já não o sou? Mudados a mão, o andar, a casa?
E o que eu sou, não o sou – para vós, amigos?

Tornei-me outro? E estranho a mim próprio?
Fugido de mim próprio?
Um lutador que demasiadas vezes se venceu a si próprio?
Que demasiadas vezes se ergueu contra a sua própria força,
Ferido e detido pela sua própria vitória?

Procurei, onde o vento sopra mais cortante?
Aprendi a habitar
Onde ninguém habita, nas zonas desertas dos ursos brancos,
Desaprendi homem e Deus, blasfémia e oração?
Tornei-me um fantasma, errando sobre os glaciares?

Vós, velhos amigos! Olhai! Agora estais pálidos,
Cheios de amor e de pavor!
Não, ide! Sem zanga! Aqui – vós não podeis habitar:
Aqui, na região longínqua dos gelos e das rochas –
Aqui deve-se ser caçador e lesto como a camurça.

Tornei-me um caçador malvado! – Vede como
O meu arco está bem esticado!
Foi o mais forte quem conseguiu distendê-lo tanto:
Mas agora, ai! Este dardo é perigoso
Como nenhum dardo – fugi daqui! Para vosso bem! …

Vós ide-vos? – Ó coração, tu suportaste bastante,
Forte ficou a tua esperança:
Mantém as tuas portas abertas para novos amigos!
Deixa os velhos! Deixa a recordação!
Se fosses jovem outrora – és melhor jovem agora!

O que jamais nos ligou, o laço de uma esperança –
Quem lê ainda os sinais,
Os empalidecidos, que o amor outrora nele inscreveu?
A um pergaminho que a mão hesita em segurar
Comparo-o eu – da mesma maneira desbotado, queimado.

Não mais amigos, esses são – como chamá-los então? –
Apenas amigos-fantasmas!
Esses às vezes de noite ainda batem no meu coração e na minha janela,
Olham-me e dizem: «Mas éramo-lo nós?»
Ó palavra murcha que outrora cheirava a rosas!

Ó saudade da juventude que não compreendeu a si própria!
Aqueles por quem eu ansiava,
Aqueles que eu julgava transformados tal como eu,
O facto de terem envelhecido afastou-os:
Só quem se transforma continua meu parente.

Ó meio-dia da vida! Segunda juventude!
Ó jardim de Verão!
Felicidade inquieta no estar perscrutando e esperando!
Espero os amigos, noite e dia pronto,
Os novos amigos! Vinde! É tempo! É tempo!

*

Esta canção acabou – o grito doce da saudade
Morreu na boca:
Fê-lo um mágico, o amigo da hora própria,
O amigo do meio-dia – não! Não pergunteis quem é.
Então ao meio-dia, Um tornou-se Dois …

Agora festejamos nós, certos da vitória comum,
A festa das festas:
Chegou o amigo Zaratustra, o hóspede dos hóspedes!
Agora ri o mundo, abriu-se a cortina cinzenta,
E foi o casamento da luz e das trevas …

F. Nietzsche

(Traduzido do alemão por Hermann Pflüger)

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